segunda-feira, 1 de julho de 2013

Festa de Aniversário

Festa de Aniversário



 Leonora chegou-se para mim, a carinha mais limpa desse

mundo:

 – Engoli uma tampa de Coca-Cola.

 Levantei as mãos para o céu: mais essa agora! Era uma

festa de aniversário, o aniversário dela própria, que completava

seis anos de idade. Convoquei imediatamente a família:

 – Disse que engoliu uma tampa de Coca-cola.

 A mãe, os tios, os avós, todos a cercavam, nervosos e

inquietos. Abre a boca minha filha. Agora não adianta: já

engoliu. Deve ter arranhado. Mas engoliu como? Quem é que

engole uma tampa de cerveja? De cerveja, não: de Coca-Cola.

 Pode ter ficado na garganta – urgia que tomássemos uma

providência, não ficássemos ali, feito idiotas. Peguei-a no colo:

vem cá minha filhinha, conta só pra mim: você engoliu coisa

nenhuma, não é isso mesmo? – Engoli sim papai! – Ela

afirmava com decisão. Consultei o tio, baixinho: o que é que

você acha? Ele foi buscar uma tampa de garrafa, separou a

cortiça do metal:

 – O que é que você engoliu: isto... Ou isto?

 – Cuidado que ela engole outra. – Adverti.

 – Isto! – E ela apontou com firmeza a parte de metal.

 Não tinha dúvida: pronto-socorro. Dispus-me a carregá-la,

mas alguém sugeriu que era melhor que ela fosse andando:

auxiliava a digestão.

 No hospital, o médico limitou-se a apalpar-lhe a barriguinha,

cético:

 – Dói aqui, minha filha?

 Quando falamos em radiografia, revelou-nos que o

aparelho estava com defeito: só no pronto-socorro da cidade.

 Batemos para o pronto-socorro da cidade. Outro médico nos

atendeu com solicitude:

 – Vamos já ver isto.

 Tirada a chapa, ficamos aguardando ansiosa

revelação. Em pouco o médico regressava:

 Engoliu foi a garrafa.

 – A garrafa? – Exclamei. Mas, era uma gracinha dele,

cujo espírito passava muito ao largo da minha aflição: eu não

estava para graças. Uma tampa de garrafa! Certamente

precisaria operar – não haveria de sair por si mesma.

 O médico pôs-se a rir de mim:

 – Não engoliu coisa nenhuma. O senhor pode ir

descansado.

 – Engoli! – afirmou a menininha.

 – Voltei-me para ela:

 – Como é que você ainda insiste minha filha?

 – Que eu engoli, engoli.

 – Pensa que engoliu. – emendei.

 – Isso acontece. – sorriu o médico: - Até com gente

grande. Aqui já teve um guarda que pensou ter engolido o apito.

 – Pois eu engoli mesmo. – comentou ela, intransigente.

 – Você não pode ter engolido – arrematei já

impaciente: - Quer saber mais do que o médico?

 – Quero. Eu engoli, e depois desengoli! – Esclareceu

ela.

 Nada mais havendo a fazer, engoli em seco, despedi-me

do médico e bati em retirada com toda a comitiva.


Fernando Sabino

(Fonte: “A mulher vizinho”, São Paulo: Editora Record, 2008)


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